MENSAGEM AMIGA e oportuna chamou-me a atenção para um hilariante texto do sempre
patusco diretor do semanário “Sol” e onde, naquele seu estilo cada vez mais “particular”
(chamemos-lhe assim…), José António Saraiva discorre longamente sobre o
funcionamento do corpo humano, detendo-se e analisando pormenorizadamente
muitas das suas particularidades – dos calos à cera dos ouvidos, passando pelos
pêlos e a influência do frio na frequência da micção. Depois da arquitectura e
do jornalismo, este texto intitulado “A maravilhosa máquina humana” revela um
Saraiva certamente capaz de integrar o reduzido lote dos que escrevem (bem) humor em Portugal:
“Num concurso televisivo
perguntaram a um concorrente quais eram os cinco sentidos. Sentado comodamente
no sofá, fiz a pergunta a mim próprio e foi preciso algum esforço para
recordar: a vista, o ouvido, o tacto, o olfacto e o… paladar. E isto levou-me a
pensar no corpo e nas suas particularidades.
É um esforço de leigo, com os
enormes riscos de erro inerentes.
Comecei por me interrogar: por que
razão uma pessoa espirra? Diz-se que é um sinal de constipação ou «uma reacção
alérgica». Mas eu julgo que é para expulsar impurezas que tenham entrado (ou se
tenham formado) nas vias respiratórias. Quando inspiramos pó, espirramos. O
espirro é, pois, uma espécie de 'desentupidor de canos'.
Já agora, os pêlos à entrada das
narinas existem, como é óbvio, para proteger as vias respiratórias dos
'intrusos'. Aliás, por essa razão, todos os orifícios do nosso corpo têm pêlos
à entrada.
As pestanas são uma espécie de
'cortinas' para proteger os olhos. Bem sabemos como é incómodo ter um grão de
areia, por mais ínfimo que seja, dentro da vista.
Só a boca não é protegida por
pêlos, dado o papel que desempenha (entrada de alimentos). Mas, mesmo assim, os
longos bigodes e barbas, como tinham os antigos, formavam um autêntico
reposteiro à frente dos lábios.
O tema dos pêlos - aos quais a
nossa sociedade declarou guerra, a avaliar pela multiplicação das casas de
depilação -, é inesgotável.
Não se percebe o motivo por que
tantos futebolistas mandam rapar o cabelo à navalha, ficando muito mais
vulneráveis aos choques (que durante o jogo ocorrem com enorme frequência).
Quanto aos pêlos nas outras zonas
do corpo - tronco e pernas -, acho horrível os homens depilarem-se, mas é lá
com eles. São pêlos evidentemente dispensáveis, pois vêm do tempo em que o
homem era um animal como outro qualquer e precisava de pêlo para se proteger do
frio e de outras agressões do meio.
Passando para os ouvidos, sabemos
que produzem cera em quantidades variáveis de pessoa para pessoa.
E em certas alturas a cera
torna-se uma fonte de complicações, por exemplo na época de praia, pois
mistura-se com a água do mar e forma um tampão que obstrui os canais auditivos.
Já fui vítima dessa situação, que
é muitíssimo desagradável. Uma pessoa fica completamente surda e com uma
sensação de incomunicabilidade com o mundo exterior. Só que a cera é obviamente
indispensável para lubrificar os órgãos do ouvido interno: o tímpano, o martelo
e a bigorna. Tal como as peças móveis de uma máquina precisam de óleo, também
as peças do ouvido precisam de lubrificante.
Um dos 'pormenores' do nosso corpo
que me fizeram mais confusão quando pensei neste tema foram as unhas. Por que
temos unhas? Que falta nos fazem as unhas? Aparentemente, nenhuma - e por isso
as senhoras usam-nas como simples 'adereços', pintando-as por vezes de modo
extravagante e fazendo extensões para as aumentar.
Mas que função têm (a não ser
darem-nos o trabalho de as cortar)? Evidentemente as unhas são uma
sobrevivência das garras, do tempo em que o homem era um animal caçador e usava
as mãos e os pés como armas para segurar as presas.
Já os calos, que muita gente
odeia, cumprem uma função útil: caso não existissem, formar-se-ia nessa zona
uma ferida. Os calos existem para protegerem a carne em zonas mais expostas e
sujeitas a fricções.
De certas características do
'invólucro' humano, passemos ao funcionamento interno.
O meu avô materno, que era médico,
costumava dizer: «Órgão que se sente, é órgão doente». Ou seja, quando um órgão
funciona realmente bem, não damos por ele. É como se não existisse.
Quando o estômago trabalha na
perfeição, fazemos as digestões sem dar por isso. Mas quando começamos a ter
azia, ou uma dorzinha, ou uma sensação de enfartamento, é porque a coisa já não
está a 100%.
Outra curiosidade. Perguntou-me um
dia um médico: «Sabe por que razão urinamos com mais frequência quando está
frio?». Respondi que talvez fosse porque a bexiga está contraída e tem menos
capacidade. Explicou-me que não: «É porque o organismo gasta energia a manter a
urina quente. Quando está frio, o organismo não quer desperdiçar energias e
expulsa a urina mais vezes».
E um mecanismo semelhante acontece
na digestão, acrescento eu. Por que há congestões? Porque, para fazer a
digestão, o organismo concentra energias - e sangue - no aparelho digestivo.
Ora, se um indivíduo fizer durante esse período um esforço grande, que exija
que o sangue acorra a outra zona do corpo, retirando-o subitamente do aparelho
digestivo, pode dar-se uma paragem da digestão.
O organismo humano é uma máquina
muitíssimo inteligente, que não devemos 'enganar'.
As pessoas que tomam comprimidos
por tudo e por nada fazem mal, porque estão a tornar o organismo preguiçoso ou
a camuflar algum problema. As dores são um alerta: um aviso de que algo não
está bem. E isso não deve ser escondido com um analgésico. Não quer dizer que
uma pessoa corra para o hospital logo que tem uma dor. Mas deve tentar perceber
a sua origem, até para não insistir num comportamento que agrave o mal.
Tudo no nosso corpo tem uma razão
de ser. Durante muito tempo, extrair as amígdalas foi uma prática generalizada,
para evitar as inflamações na garganta. Ora, veio a concluir-se que as
amígdalas são como os fusíveis nas instalações eléctricas: servem para evitar males
maiores.
Podemos eliminar um fusível no
nosso quadro eléctrico caseiro, para não termos a chatice de estar sempre a
repará-lo; mas arriscamo-nos a ter um problema muito mais grave a jusante,
avariando, por exemplo, um electrodoméstico. As amígdalas infectam com
facilidade para evitar infecções mais graves noutros órgãos.
A comparação do organismo humano a
uma máquina, que se faz muitas vezes, só vale até certo ponto. E é perigosa.
Quando uma peça de uma máquina se
estraga, o único remédio é substituí-la. A peça não se arranja sozinha. Ora, um
organismo vivo tem mecanismos de reparação das peças. Quando um órgão adoece, o
corpo mobiliza-se para o tentar reparar. E na maior parte das vezes consegue.
Os organismos animais estão
preparados para enfrentar com sucesso a maior parte das doenças, agressões do
meio, traumatismos, etc. As gripes curam-se por si, as feridas cicatrizam por
si, os corpos estranhos (como picos encravados na carne) são expulsos.
Haveria muitíssimo mais a dizer
sobre o corpo humano, mas como o espaço é limitado só queria acrescentar outra
característica decisiva que o diferencia da máquina.
Uma máquina é igual aqui, na
América, em Angola ou na China. Mas o organismo humano não. Ele adaptou-se aos
diferentes meios onde o homem se instalou. Repare-se que os nórdicos têm as
narinas finas e os africanos as narinas largas - porque, nas regiões quentes, o
ar está mais rarefeito e é preciso aspirar maior quantidade para se ter o mesmo
oxigénio.
E o mesmo vale para a pele: um
nórdico que se instale em África tem de ter muito cuidado e sorte para não
contrair um cancro de pele.
No nosso corpo, quase tudo tem uma
razão de ser. É preciso, pois, percebê-lo, saber ouvi-lo - e interpretar bem o
que ele nos diz.
P.S. - Esta crónica foi escrita
sob fortes dores lombares, depois de o autor ter-se posto a abrir covas para
plantar árvores, abusando claramente das disponibilidades do corpo.”
1 comentário:
Mais um Tudólogo Patusco...
Deveria ter pedido a um amigo Médico que corrigisse o artigo, evitando publicar uma série de barbaridades...
A melhor é que "a cera é obviamente indispensável para lubrificar os órgãos do ouvido interno: o tímpano, o martelo e a bigorna" - e porque não o cérebro?
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