LEMBRO-ME COMO se tivesse sido ontem. Estávamos já no fim do Verão de 2011 e António José Seguro tinha sido eleito eleito líder socialista apenas há umas semanas. Devia ser uma da manhã quando, num restaurante onde me encontrava com alguns amigos, o novo líder do PS entrou acompanhado de alguns camaradas de partido. Tinham acabado de sair de uma das primeiras reuniões da Comissão Nacional do seu "consulado" e procuravam um sítio para cear. Falámos os dois uns breves momentos em pé, trocando algumas palavras de circunstância. Nunca esqueci a resposta que Tozé Seguro me deu à inevitável pergunta sobre como estavam "a correr as coisas". Com um sorriso mais conformado que outra coisa, disse-me: "Sabes uma coisa, Fafe? Quase que passo mais tempo a tentar desarmar as armadilhas que me deixaram no Rato do que a fazer qualquer outra coisa". Pois é...
... ou "quem não tem cão, caça com gato...", que é como quem diz, uma página e um espaço estritamente pessoal, onde também se comenta alguma actualidade, se recordam histórias de outros tempos e se tenta perceber o que está por detrás de algumas notícias...
Os comentários a este blogue serão moderados pelo autor, reservando-se o mesmo a não reproduzir aqueles que pelo seu teor sejam considerados ofensivos ou contenham linguagem grosseira.
quinta-feira, 29 de maio de 2014
segunda-feira, 26 de maio de 2014
Seguro: mais uma oportunidade perdida
GRAÇAS A estas coisas da Internet (e à RTP, diga-se de passagem…) segui ontem a noite eleitoral a muitos milhares de quilómetros de distância. E de tudo o que vi, percebi que alguém tem de explicar rapidamente a Tozé Seguro que o eleitorado não gosta que o tomem por parvo - isto se o líder socialista ainda chegar às legislativas à frente do seu partido. É que por muito que ele possa repetir (como o fez!) que "o PS obteve uma grande vitória" e por muitos sorrisos triunfantes com que pose para as câmeras, basta fazer as contas para percebermos que a postura de Seguro não passa de um embuste. Como é que se pode chamar de "grande vitória" a um tímido crescimento de 85 mil e 777 votos relativamente às mesmas eleições de há cinco anos atrás, especialmente quando de 2011 para cá, tivemos um governo que deu cabo da vida a milhões de pessoas? Como é que se pode classificar de "grande vitória" quando a percentagem obtida ontem pelo PS (31,45%) foi inferior à que o PSD (sózinho, sem incluir o CDS) obteve em 2009, quando era oposição - 31,71 por cento?
Sejamos claros: pela segunda vez num ano, a liderança de Seguro provou nas urnas que não conseguiu (ou será que não quis?) capitalizar o profundo descontentamento existente na sociedade portuguesa. Isso é o que conta. Mais que qualquer discurso redigido em inner circle no 13º andar do hotel Altis e que nem na plateia da sala Petrópolis consegue gerar o mínimo de entusiasmo…
sexta-feira, 23 de maio de 2014
Estão bem uns para os outros...
AQUI DESTE lado do Atlântico, tenho seguido muito ao de leve a campanha eleitoral para o Parlamento Europeu e que termina hoje em Portugal, o que mesmo en passant tem sido penoso - aplicando-se este desabafo às várias candidaturas. É que mesmo lendo na diagonal algum noticiário, tenho visto um pouco de tudo: os governamentalistas Paulo Rangel e Nuno Melo a celebrar não sei bem o quê, emborcando pelas goelas abaixo uma garrafa de espumante bebida sofregamente pelo gargalo; na oposição, aquele poeta de rima fácil e voz tonitruante a comportar-se como uma versão pífia do já desaparecido Carlos Candal, não hesitando a trazer à liça supostas particularidades de adversários políticos; a menina Marisa Matias do Bloco a defender a introdução de aulas de surf(!!!) nas escolas portuguesas; o dr. Marinho Pinto a mais parecer uma moca de Rio Maior com pernas que propriamente outra coisa; e até António Capucho quase, quase de punho esquerdo erguido e a ponto de entoar o "Levanta a voz camarada, vem cantar a nossa vitória…". No fundo, no fundo estão bem uns para os outros!
Não fizesse isto tudo parte de uma eleição para o Parlamento Europeu e certamente seria caso para rir a bom rir - assim o melhor é fazer um esforço para não chorar...
quarta-feira, 21 de maio de 2014
Bem prega D. Fernanda...
NUNCA TIVE grande pachorra para aquelas discussões bem corporativas e que tanto gozo provocam na classe jornalística sobre a privacidade e o direito à mesma. Trabalhei durante anos num jornal ("Tal&Qual") que, pese o "carimbo" que sempre lhe quiseram incutir, essa "fronteira" era certamente muito mais respeitada do que hoje é pela generalidade da nossa imprensa, a começar por grande parte do chamados "jornais de referência" - se é que ainda lhes podemos chamar assim. E isto aplica-se tanto a jornais como a alguns "faróis" da deontologia e ética jornalística, sempre pressurosos a virem a terreiro, normalmente em matilha, atacar furiosamente qualquer um que cometa o mínimo deslize nesse domínio.
Vem isto a propósito de um texto assinado hoje no "Diario de Notícias" pela sempre zelosa guardiã da (sua, é claro...) privacidade, D. Fernanda Câncio, em que esta, a propósito de uma reportagem publicada pelo novel diário digital "Observador" sobre a mulher do skinhead Mário Machado, resolveu espiolhar a vida da senhora em causa ao ponto de ilustrar o seu texto com a reprodução do perfil da mesma no "Facebook", escarrapachando o nome completo e até a fotografia da visada… Confesso que ao passar os olhos pelo textos da D. Fernanda não resisti a recordar as mil e uma intervenções públicas que esta diligente senhora fez em tempos a propósito do seu "ex" ou actual (não sei porque não estou propriamente a par da vida sentimental do casalinho) namorado José Sócrates e das violações de privacidade de que o idílio era supostamente alvo - nem tão-pouco da exacerbada defesa (o que só lhe ficava bem, até pelo love is in the air existente…) protagonizada pela mesma senhora quando alguns jornalistas investigaram algumas passagens menos claras da biografia do antigo primeiro-ministro, caso por exemplo da sua estranha e célere licenciatura. Bem prega frei Tomás, ou neste caso a D. Fernanda, n'é?
segunda-feira, 19 de maio de 2014
Os nomes de Tozé
CADA DIA me convenço mais que devia ser obrigatório (ou pelo menos tornar-se um hábito) os partidos divulgarem, antes dos actos eleitorais, quem iria integrar, em caso de virem a formarem governo, o seu executivo. Eu sei que é complicado, que isso causaria naturais embaraços no seio dos próprios partidos, gerando óbvios descontentamentos entre as clientelas preteridas, mas seria certamente uma forma de oferecer alguma "garantia" ao eleitorado. Se a memória não me atraiçoa Pedro Santana Lopes fê-lo em 2005, nas vésperas de enfrentar José Sócrates nas urnas, ainda que apenas tenha apresentado alguns nomes que integrariam um seu futuro executivo, sem destrinçar as pastas que cada um ocuparia.
Vem isto a propósito de dois nomes que me garantiram estar no "bolso" de Tozé Seguro para um hipotético governo socialista: Edite Estrela na Cultura e Álvaro Beleza na Saúde - o primeiro nome uma "exigência" dos chamados "socráticos" e à laia de compensação pela sua saída do Parlamento Europeu, o segundo como recompensa por uma devoção que, segundo muitos socialistas, não esconde a impreparação para o cargo. Convenhamos que é caso para dizer que pior é difícil...
quarta-feira, 14 de maio de 2014
O contra-ataque do PT
É UMA das peças de marketing político estrategicamente (e não só) mais conseguidas que vi nos últimos tempos. Foi exibida ontem na televisão brasileira e marca claramente o início de um contra-ataque do PT, que até agora se tem deixado "encostar às cordas" por uma oposição que, ainda que dividida entre Aécio Neves e a dupla Eduardo Campos/Marina Silva, tem feito alguma "mossa" na estratégia da reeleição de Dilma Rousseff. Tendo por "público-alvo" os muitos milhões de pessoas a quem os governos PT possibilitaram o acesso a bens de consumo e a um estilo de vida que nunca pensaram vir a ter, este filme de 60 segundos é todo ele pensado e produzido ao milímetro - a todos os níveis. E o resultado é notável, tanto em termos estéticos, como de linguagem, fotografia ou conteúdo…
É que hoje em dia, no Brasil, existe claramente um "outro país", fictício mas palpável - formado pelas classes C, D e E - um "país" com mais de 150 milhões de habitantes (o oitavo maior do mundo...) e que só em 2013 consumiu 1,27 trilhões de reais, ocupando o 16º lugar no ranking do consumo mundial. Os seus dados são reveladores da importância que possui e quão determinante ele será na (re)eleição presidencial do próximo dia 5 de Outubro. Vejam só: em 2013 no Brasil, 54% dos utilizadores do avião pertenciam às classes C, D e E; 58% dos smartphones brasileiros estava nas mãos desssas mesmas classes; 62% por cento dos titulares de conta-corrente no banco e 67 por cento dos utilizadotres de cartões de crédito eram também das classes C, D e E; mais de 60 por cento das compras de computadores foram feitas por essas classes – as chamadas “emergentes”. Esses brasileiros, os que formam o tal "outro Brasil" e que devem na prática e em grande parte essa ascenção social e aquisitiva aos governos PT, estão hoje na mira de quem dirigir os destinos do Brasil por mais quatro anos. São eles e só eles que irão decidir a eleição. Daí a importância deste filme. Brilhante, diga-se de passagem...
terça-feira, 13 de maio de 2014
O assessor e o facebook...
CERTAMENTE POR não ter mais nada para fazer, um assessor económico do primeiro-ministro resolveu ajustar umas contas (ao que presumo pessoais…) no Facebook com os antigo ministros Mira Amaral e Bagão Félix. Por termos alguns "amigos virtuais" em comum naquela rede social, já há algum tempo que tinha reparado nesta ou naquela intervenção "facebookiana" de Rudolfo Rebelo, tanto pelo teor como pelos termos utilizados, espantando-me na altura que alguém que fizesse parte do inner circle de um chefe de governo pudesse ter tão pouco cuidado no que escrevia publicamente numa rede social, especialmente quando os temas diziam respeito, directa ou indirectamente, à governação.
Porque quer queira quer não, Rebelo não pode achar que, cada vez que se senta à frente do seu computador e entra no Facebook, lhe basta tirar a gravata e pendurar o blazer de assessor para abandonar temporariamente as funções e passar a ser um simples e vulgar utilizador das redes sociais. Do mesmo modo que também não pode achar que os seus post's ou comentários - por mais inocentes e inócuos que possam ser - não sejam esmiuçados ao pormenor. Ou seja, resumindo: ele não pode achar que existem dois Rudolfos Rebelos ou mesmo um Rudolfo e um outro Rebelo, não - para o bem e para o mal são uma única e mesma pessoa, neste momento e desde que entrou em S.Bento: o assessor económico do primeiro-ministro.
Admito que seja aborrecido estar em posse de alguma informação privilegiada, de conhecer os "dossiers" melhor do que muita boa gente, de saber pormenores que escapam a quem não está no chamado "circuito do poder" e assistir impávido e sereno ao que nós achamos serem "disparates" ditos publicamente por quem pensamos ter o "dever" de partilhar as nossas ideias. Mas convenhamos que um assessor económico de um primeiro-ministro não está no gabinete para rapar do computador e zurzir a torto e direito em quem "ousa" discordar da política governamental, longe disso. Se assim fosse, a nossa vida política reduzia-se (ainda mais) a post's, tweet's e selfies…
E mais: como as coisas estão, um dia destes, ainda vai haver alguém que começa a anotar as horas e os dias em que o assessor usa o seu Facebook e isso ainda virar tema no debate quinzenal na Assembleia da República, com algum parlamentar mais minucioso questionando o primeiro-ministro sobre se a actividade "facebookiana" do seu assessor económico, dando-se no chamado "horário de expediente", configura, ou não, "utilização abusiva de meios públicos" ou coisa do género… Vai uma aposta?!
A propósito de um texto de João Pereira Coutinho...
NÃO SENDO particularmente um fã de João
Pereira Coutinho, não posso deixar de registar e subscrever o texto
"Os macacos da vaidade" que este colunista assina hoje na
"Folha de S. Paulo" a propósito da repercussão que o já célebre
episódio da banana atirada na direcção do jogador Daniel Alves suscitou um
pouco por todo o mundo e a forma como foi celeremente aproveitada por muito boa
gente que, à conta do que ocorreu no jogo que enfrentou o Villareal ao
Barcelona, "cavalgou" de forma oportunista a situação:
"(…)É
por isso que aplaudo o atleta Daniel Alves, que, no momento do escanteio, pegou
na banana que lhe foi jogada e a comeu com inteligência e naturalidade. O humor
ainda é a melhor arma contra o mundo neolítico dos selvagens racistas.
Mas confesso algum
desconforto com a febre que o gesto do jogador provocou em todo o mundo, com
dezenas de "celebridades" (grotesca categoria) exibindo bananas para
as redes sociais e afirmando com orgulho que "todos somos macacos".
Sobre a frase, nada a
dizer: todos somos macacos mesmo, embora eu conheça alguns membros da espécie
Homo sapiens que estão uns furos abaixo de alguns símios mais evoluídos. Entre
a classe política, isso é verdadeiramente uma epidemia. "Todos somos macacos"
pode ser ofensivo para certos macacos.
Mas o que perturba na
"macaquice viral" que tomou conta da internet é o que existe de
vaidade nela: mostrar a banana e assumir a condição simiesca não é apenas um
gesto de solidariedade para com Daniel Alves (o jogador não precisa desse
paternalismo e lidou com o insulto na perfeição).
O circo que foi montado
em seu redor não passou de um pretexto para que os suspeitos do costume
—cantores, atores, "famosos" e candidatos a isso— pudessem mostrar ao
mundo o tamanho das respectivas tolerâncias.
Alguns conhecidos meus,
aliás, também cederam à tentação da vaidade: fizeram "selfies" com a
inevitável banana e depois partilharam o feito glorioso nas redes sociais.
Só para escutarem o
aplauso geral que os "bons sentimentos" costumam receber quando
exibidos em público.
O mais irônico e o mais
hipócrita de alguns desses casos é que eu sei perfeitamente quantos deles
jamais veriam com naturalidade o casamento das filhas (brancas) com namorados
(negros).
Sem falar do número diminuto
dos que tratariam candidatos (negros) a um emprego nas respectivas empresas em
posição de igualdade com candidatos (brancos). Mostrar a banana é fácil.
Difícil mesmo é mudar a cabeça de abóbora.
Derrotar o racismo não
passa por autorretratos narcísicos em que mostramos bananas como certos
exibicionistas gostam de mostrar as partes íntimas na calçada.
O racismo derrota-se
quando deixamos de criticar relações inter-raciais nas costas dos amantes; ou
quando tratamos brancos, negros, pardos ou amarelos com o mesmo respeito
daltônico. Cotidianamente. E, sobretudo, anonimamente. Sem fazer propaganda.(…)"
domingo, 11 de maio de 2014
A questão do voto obrigatório
PRATICAMENTE AO mesmo tempo que, em Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa defendia a instituição do voto obrigatório, no Brasil, a "Folha de S. Paulo" divulgava um estudo que revelava que 61 por cento dos brasileiros são contra o voto obrigatório - a percentagem mais alta desde que, em 1994, o instituto "Datafolha" passou a avaliar anualmente esta questão. Essa rejeição radica fundamentalmente nas classes mais altas e escolarizadas e também junto do eleitorado mais conservador. Recorde-se que actualmente no Brasil, onde se vota a partir dos 16 anos, o voto é facultativo apenas para eleitores analfabetos, ou que tenham mais de 70 anos ou ainda aqueles cuja idade esteja compreendida entre os 16 e 18.
Em Portugal, quem deve obviamente estar contra a proposta lançada por Marcelo são os pseudo ou neo-independentes que por aí pululam - muitos deles a aproveitarem-se de um suposto alheamento do actual xadrez partidário para lançarem ou retomarem uma carreira política com os mesmos pecadilhos e defeitos daqueles a quem tanto criticam. Seriam certamente eles os mais prejudicados com uma medida desse tipo, deixando assim de poder reclamar para eles o (significativo) peso da abstenção nos actos eleitorais e restando-lhes apenas reivindicar como seus os votos brancos ou nulos, Ora aí está uma boa razão para estarmos atentos às próximas aparições televisivas dos "do costume"...
sábado, 10 de maio de 2014
O meu Zé Gomes Ferreira é este...
É CERTO e sabido que quando vejo o nome de José Gomes Ferreira referido em qualquer lugar é do grande poeta que me lembro - do "Zé Gomes" da farta cabeleira branca e que, juntamente com a Rosalia, era presença praticamente certa aos sábados à noite em casa de meus Pais em Cascais e de quem eu, miúdo, bebia as conversas que se prolongavam noite fora. Inevitavelmente só num segundo momento é que associo o nome ao jornalista homónimo e que, ora na SIC ora no "Expresso", é presença assídua quando toca a abordar temas económicos.
Confesso que a este José Gomes Ferreira, hoje tão em voga, escutei-o uma dúzia de vezes, as suficientes para perceber que ele sabe do que fala. Porém essa dúzia de vezes também já foram suficientes para perceber que, ao contrário do chamado "poeta militante", o jornalista não esconde ter-se a si próprio em grande conta, adoptando sempre que pode uma pose que às vezes roça alguma presunção e ridículo. E há uns tempos, ao entrar numa livraria, deparei-me num escaparate com um livro da sua autoria, daqueles com todo o aspecto de ser um best seller, cujo título - penso eu… - revela bem o tamanho do ego deste Gomes Ferreira: "O meu programa de governo"! Comentei esse facto com um amigo e ele, divertido, chamou-me a atenção para uma página de fãs que o jornalista tinha no "Facebook", para um abaixo-assinado que circulava nas redes sociais intitulado "Queremos José Gomes Ferreira como primeiro-ministro" e até para uma entrevista do dito cujo a um jornal qualquer, em que ele supostamente comentava "à séria" essa hipótese. Sorri - o que é que eu havia de fazer? Hoje, porém, vi um título na newsletter que diariamente recebo do "Expresso": "José Gomes Ferreira escreve carta aberta a Cavaco, Passos e Seguro". Aí já não sorri - até porque há situações em que o ridículo causa mais facilmente comiseração que propriamente divertimento...
O maravilhoso arquitecto Saraiva
MENSAGEM AMIGA e oportuna chamou-me a atenção para um hilariante texto do sempre
patusco diretor do semanário “Sol” e onde, naquele seu estilo cada vez mais “particular”
(chamemos-lhe assim…), José António Saraiva discorre longamente sobre o
funcionamento do corpo humano, detendo-se e analisando pormenorizadamente
muitas das suas particularidades – dos calos à cera dos ouvidos, passando pelos
pêlos e a influência do frio na frequência da micção. Depois da arquitectura e
do jornalismo, este texto intitulado “A maravilhosa máquina humana” revela um
Saraiva certamente capaz de integrar o reduzido lote dos que escrevem (bem) humor em Portugal:
“Num concurso televisivo
perguntaram a um concorrente quais eram os cinco sentidos. Sentado comodamente
no sofá, fiz a pergunta a mim próprio e foi preciso algum esforço para
recordar: a vista, o ouvido, o tacto, o olfacto e o… paladar. E isto levou-me a
pensar no corpo e nas suas particularidades.
É um esforço de leigo, com os
enormes riscos de erro inerentes.
Comecei por me interrogar: por que
razão uma pessoa espirra? Diz-se que é um sinal de constipação ou «uma reacção
alérgica». Mas eu julgo que é para expulsar impurezas que tenham entrado (ou se
tenham formado) nas vias respiratórias. Quando inspiramos pó, espirramos. O
espirro é, pois, uma espécie de 'desentupidor de canos'.
Já agora, os pêlos à entrada das
narinas existem, como é óbvio, para proteger as vias respiratórias dos
'intrusos'. Aliás, por essa razão, todos os orifícios do nosso corpo têm pêlos
à entrada.
As pestanas são uma espécie de
'cortinas' para proteger os olhos. Bem sabemos como é incómodo ter um grão de
areia, por mais ínfimo que seja, dentro da vista.
Só a boca não é protegida por
pêlos, dado o papel que desempenha (entrada de alimentos). Mas, mesmo assim, os
longos bigodes e barbas, como tinham os antigos, formavam um autêntico
reposteiro à frente dos lábios.
O tema dos pêlos - aos quais a
nossa sociedade declarou guerra, a avaliar pela multiplicação das casas de
depilação -, é inesgotável.
Não se percebe o motivo por que
tantos futebolistas mandam rapar o cabelo à navalha, ficando muito mais
vulneráveis aos choques (que durante o jogo ocorrem com enorme frequência).
Quanto aos pêlos nas outras zonas
do corpo - tronco e pernas -, acho horrível os homens depilarem-se, mas é lá
com eles. São pêlos evidentemente dispensáveis, pois vêm do tempo em que o
homem era um animal como outro qualquer e precisava de pêlo para se proteger do
frio e de outras agressões do meio.
Passando para os ouvidos, sabemos
que produzem cera em quantidades variáveis de pessoa para pessoa.
E em certas alturas a cera
torna-se uma fonte de complicações, por exemplo na época de praia, pois
mistura-se com a água do mar e forma um tampão que obstrui os canais auditivos.
Já fui vítima dessa situação, que
é muitíssimo desagradável. Uma pessoa fica completamente surda e com uma
sensação de incomunicabilidade com o mundo exterior. Só que a cera é obviamente
indispensável para lubrificar os órgãos do ouvido interno: o tímpano, o martelo
e a bigorna. Tal como as peças móveis de uma máquina precisam de óleo, também
as peças do ouvido precisam de lubrificante.
Um dos 'pormenores' do nosso corpo
que me fizeram mais confusão quando pensei neste tema foram as unhas. Por que
temos unhas? Que falta nos fazem as unhas? Aparentemente, nenhuma - e por isso
as senhoras usam-nas como simples 'adereços', pintando-as por vezes de modo
extravagante e fazendo extensões para as aumentar.
Mas que função têm (a não ser
darem-nos o trabalho de as cortar)? Evidentemente as unhas são uma
sobrevivência das garras, do tempo em que o homem era um animal caçador e usava
as mãos e os pés como armas para segurar as presas.
Já os calos, que muita gente
odeia, cumprem uma função útil: caso não existissem, formar-se-ia nessa zona
uma ferida. Os calos existem para protegerem a carne em zonas mais expostas e
sujeitas a fricções.
De certas características do
'invólucro' humano, passemos ao funcionamento interno.
O meu avô materno, que era médico,
costumava dizer: «Órgão que se sente, é órgão doente». Ou seja, quando um órgão
funciona realmente bem, não damos por ele. É como se não existisse.
Quando o estômago trabalha na
perfeição, fazemos as digestões sem dar por isso. Mas quando começamos a ter
azia, ou uma dorzinha, ou uma sensação de enfartamento, é porque a coisa já não
está a 100%.
Outra curiosidade. Perguntou-me um
dia um médico: «Sabe por que razão urinamos com mais frequência quando está
frio?». Respondi que talvez fosse porque a bexiga está contraída e tem menos
capacidade. Explicou-me que não: «É porque o organismo gasta energia a manter a
urina quente. Quando está frio, o organismo não quer desperdiçar energias e
expulsa a urina mais vezes».
E um mecanismo semelhante acontece
na digestão, acrescento eu. Por que há congestões? Porque, para fazer a
digestão, o organismo concentra energias - e sangue - no aparelho digestivo.
Ora, se um indivíduo fizer durante esse período um esforço grande, que exija
que o sangue acorra a outra zona do corpo, retirando-o subitamente do aparelho
digestivo, pode dar-se uma paragem da digestão.
O organismo humano é uma máquina
muitíssimo inteligente, que não devemos 'enganar'.
As pessoas que tomam comprimidos
por tudo e por nada fazem mal, porque estão a tornar o organismo preguiçoso ou
a camuflar algum problema. As dores são um alerta: um aviso de que algo não
está bem. E isso não deve ser escondido com um analgésico. Não quer dizer que
uma pessoa corra para o hospital logo que tem uma dor. Mas deve tentar perceber
a sua origem, até para não insistir num comportamento que agrave o mal.
Tudo no nosso corpo tem uma razão
de ser. Durante muito tempo, extrair as amígdalas foi uma prática generalizada,
para evitar as inflamações na garganta. Ora, veio a concluir-se que as
amígdalas são como os fusíveis nas instalações eléctricas: servem para evitar males
maiores.
Podemos eliminar um fusível no
nosso quadro eléctrico caseiro, para não termos a chatice de estar sempre a
repará-lo; mas arriscamo-nos a ter um problema muito mais grave a jusante,
avariando, por exemplo, um electrodoméstico. As amígdalas infectam com
facilidade para evitar infecções mais graves noutros órgãos.
A comparação do organismo humano a
uma máquina, que se faz muitas vezes, só vale até certo ponto. E é perigosa.
Quando uma peça de uma máquina se
estraga, o único remédio é substituí-la. A peça não se arranja sozinha. Ora, um
organismo vivo tem mecanismos de reparação das peças. Quando um órgão adoece, o
corpo mobiliza-se para o tentar reparar. E na maior parte das vezes consegue.
Os organismos animais estão
preparados para enfrentar com sucesso a maior parte das doenças, agressões do
meio, traumatismos, etc. As gripes curam-se por si, as feridas cicatrizam por
si, os corpos estranhos (como picos encravados na carne) são expulsos.
Haveria muitíssimo mais a dizer
sobre o corpo humano, mas como o espaço é limitado só queria acrescentar outra
característica decisiva que o diferencia da máquina.
Uma máquina é igual aqui, na
América, em Angola ou na China. Mas o organismo humano não. Ele adaptou-se aos
diferentes meios onde o homem se instalou. Repare-se que os nórdicos têm as
narinas finas e os africanos as narinas largas - porque, nas regiões quentes, o
ar está mais rarefeito e é preciso aspirar maior quantidade para se ter o mesmo
oxigénio.
E o mesmo vale para a pele: um
nórdico que se instale em África tem de ter muito cuidado e sorte para não
contrair um cancro de pele.
No nosso corpo, quase tudo tem uma
razão de ser. É preciso, pois, percebê-lo, saber ouvi-lo - e interpretar bem o
que ele nos diz.
P.S. - Esta crónica foi escrita
sob fortes dores lombares, depois de o autor ter-se posto a abrir covas para
plantar árvores, abusando claramente das disponibilidades do corpo.”
sábado, 3 de maio de 2014
In memoriam...
"A experiência tem demonstrado que, com o
aumento extraordinário da população escolar nos estabelecimentos de ensino, se
torna praticamente impossível garantir ao pessoal auxiliar existente o
desempenho das atribuições que legalmente lhe estão cometidas.
Por outro lado, este pessoal, em número
reduzido, não é suficiente para zelar pela conservação dos edifícios e do
mobiliário e para coadjuvar as autoridades académicas na manutenção da ordem e
da disciplina de modo a garantir a liberdade do ensino.
Tendo-se verificado que nem sempre a
disciplina nos estabelecimentos de ensino superior é mantida em condições de
assegurar o regular funcionamento dos trabalhos escolares e a protecção devida
a pessoas e bens, as autoridades académicas solicitaram ao Governo a criação de
pessoal de vigilância, à semelhança do que se tem verificado em muitos países,
para as coadjuvar na manutenção da disciplina académica nos estabelecimentos
sob a sua direcção.
Nestes termos:
Usando da faculdade
conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo
decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º
1. Ao pessoal auxiliar dos estabelecimentos de ensino compete zelar pela segurança das instalações e pela conservação do património e, ainda, coadjuvar as autoridades académicas na manutenção da ordem e da disciplina.
2. É acrescida ao pessoal auxiliar dos
estabelecimentos de ensino superior a categoria de vigilante.
Art. 2.º
Sem prejuízo das atribuições legalmente cometidas ao pessoal auxiliar, compete de forma especial aos vigilantes:
a) Colaborar na manutenção da ordem e
disciplina nos estabelecimentos de ensino e zelar pela conservação dos
edifícios, mobiliário e equipamento;
b) Proteger os estudantes,
garantindo-lhes o livre acesso às aulas e aos demais actos académicos, bem como
o acesso às instalações a eles reservadas;
c) Coadjuvar os bedéis no exercício das
suas funções;
d) Prestar colaboração ao pessoal docente, técnico e administrativo para a realização das suas atribuições;
d) Prestar colaboração ao pessoal docente, técnico e administrativo para a realização das suas atribuições;
e) Desempenhar quaisquer outras funções
que lhes sejam cometidas pelas autoridades académicas.
Art. 3.º
1. Os vigilantes que presenciarem ou verificarem infracções disciplinares dentro das áreas de jurisdição dos estabelecimentos de ensino superior onde prestem serviço deverão levantar auto de notícia, o qual mencionará os factos que constituírem a infracção disciplinar, o dia, hora e local e as circunstâncias em que foi cometida, o nome e demais elementos de identificação dos arguidos e, se possível, com a indicação de pelo menos duas testemunhas que possam depor sobre esses factos e, havendo-os, os documentos que possam demonstrá-los.
2. Os autos levantados nos termos do
número anterior serão remetidos à competente autoridade académica e farão fé
até prova em contrário.
Art. 4.º
1. Os vigilantes serão livremente contratados por força de dotações globais a inscrever nos orçamentos das Universidades ou das escolas do ensino superior, sendo-lhes atribuída a remuneração correspondente à letra S, acrescida da gratificação mensal de 500$00.
2. Quando as circunstâncias o
aconselhem, os contratados referidos no número anterior poderão ser autorizados
por conveniência urgente de serviço, entrando o candidato em exercício logo
após o despacho de nomeação.
3. Aos vigilantes que, em cada escola,
forem incumbidos de dirigir e coordenar as actividades do pessoal de
vigilância, sob a orientação das autoridades académicas, será atribuída a
gratificação mensal de 1000$00.
Art. 5.º
Os vigilantes terão direito à concessão de fardamento, nos termos legalmente estabelecidos para pessoal auxiliar.
Art. 6.º
À medida que possam ser dispensados, os vigilantes terão prioridade no provimento de cargos de idêntica categoria existentes em serviços dependentes do Ministério da Educação Nacional.
Art. 7.º
O Ministro da Educação Nacional aprovará por despacho, e mediante proposta dos reitores ou directores, os regulamentos que se mostrem indispensáveis à execução do presente diploma.
Visto e aprovado em Conselho de
Ministros.
Marcello Caetano
José Veiga Simão
Promulgado em 9 de Janeiro de 1973.
Publique-se.
O Presidente da República,
Américo Deus Rodrigues Thomaz
Para ser presente à Assembleia Nacional"
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