AUTOR DE um
dos livros mais completos sobre a presidência de Fernando Collor de Melo (“Notícias do Planalto”), o jornalista Mário Sérgio Conti, antigo editor da revista “Veja” e do “Jornal do Brasil” resolveu
analisar detalhadamente a biografia de José
Dirceu que Otávio Cabral
escreveu a "reboque" da condenação do antigo chefe da Casa Civil de Lula da Silva no julgamento do processo
do chamado “mensalão”.
A resenha, publicada na edição de Agosto da excelente
revista “Piauí”, aponta (e não poupa…)
os inúmeros erros históricos que o livro contém, alguns mesmo de uma
infantilidade inadmissível numa obra que tem gerado algum brado nos meios politico-jornalísticos
brasileiros. Numa página da “Piauí”, a resenha de Conti pura e simplesmente destrói
o best seller sobre Dirceu. Vale a pena
ver alguns dos erros e contradições encontrados por Conti:
“(...) O livro começa em 1968, com os pais de José Dirceu assistindo pela
televisão à sua prisão no Congresso da União Nacional dos Estudantes, em
Ibiúna. Informa que a notícia da prisão de José Dirceu foi ‘transmitida em rede
nacional de televisão’. Mas o Brasil só teria rede nacional de tevê no ano
seguinte. (…)E a sexta página se encerra com um abuso: Otávio Cabral afirma que
José Dirceu apoiava Jango ‘mais para se opor ao pai do que por ideologia’. Nada
autoriza o biógrafo a insinuar o melodrama edipiano. Ainda mais porque, dois
parágrafos adiante, é transcrita uma declaração na qual José Dirceu afirma que,
no dia mesmo do golpe, se opôs à ditadura por ‘um problema de classe’(…)
(...)O biógrafo diz que Rui Falcão, hoje presidente do PT, foi colega de José
Dirceu na Pontifícia Universidade Católica, onde estudou jornalismo. A PUC
sequer tinha curso de jornalismo na época e Rui Falcão estudou direito, mas na
Universidade de São Paulo. Relata que 5 mil estudantes se reuniram ‘nas arcadas
do Grupo Escolar Caetano de Campos’, que não se chamava ‘Grupo Escolar’ e não
tem arcadas. Afirma que a Faculdade de Filosofia, na rua Maria Antônia, tem
cinco andares, um a mais do que se vê em qualquer foto. (…) O autor não fica só
nos erros menores. Escreve que em 1968 ‘a Guerra Fria encontrava-se no auge e a
invasão dos Estados Unidos a Cuba era iminente’. A invasão de Cuba fora
eminente em 1961, quando a CIA organizou o desembarque na Baía dos Porcos, e no
ano seguinte, durante a crise dos mísseis, e não seis anos depois. E 1968 não
foi o ano do auge da Guerra Fria, e sim o da sua grande crise, que levou o
capitalismo e o stalinismo a se darem as mãos(...).
(…) Eis uma afirmação direta de
Otávio Cabral sobre profissionais de sua área, o jornalismo: ‘Antigos
companheiros de Ibiúna e de clandestinidade tinham posições de destaque na
imprensa em meados dos anos 80, como Rui Falcão, que comandava a revista Exame,
e Eugênio Bucci,diretor da Playboy.’ Nem Falcão nem Bucci participaram do
Congresso da une em Ibiúna. Oprimeiro porque não era mais estudante e o outro
por ser criança. Eugênio Bucci jamais esteve na clandestinidade. Rui Falcão,
sim, mas não foi ‘companheiro’ de Dirceu: clandestino, militava em outra
organização e noutra cidade. Bucci nunca foi diretor da Playboy. São cinco
erros factuais numa frase. Algum recorde foi batido.(…)
(…) Apenas uma das referências
futebolísticas tem sentido político, o jogo da Seleção Brasileira contra a do
Haiti, em Porto Príncipe, em 2004. De fato, Dirceu – com Ricardo Teixeira e o
advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, apelidado de Kakay – pelejou pela
organização do chamado Jogo pela Paz(…)
(…)Se não discute o apoio de Dirceu à
intervenção brasileira no Haiti (uma posição contrária à da esquerda ortodoxa),
Cabral descreve com detalhes a viagem da ‘comitiva liderada por Lula e Dirceu’.
Fala que os dois foram ao Estádio Nacional ‘num caminhão de bombeiros, junto
com astros do futebol brasileiro como Roberto Carlos, Ronaldinho Gaúcho e
Ronaldo Fenômeno. Dirceu tirou fotos com todos antes de entrar no veículo’.
Conta que ‘às quatro da tarde, o Hino Nacional Brasileiro foi tocado e Dirceu
chorou’. No segundo tempo, o goleiro Fernando Henrique substituiu o titular e,
prossegue Cabral, ‘assim que viu o homônimo do ex-presidente entrando em campo,
Dirceu virou-se para Kakay e ironizou: ‘Bem que esse Fernando Henrique podia
tomar um gol. Aí a festa vai ser perfeita.’ É um belo relato. Exceto pelo seguinte: José Dirceu não
foi ao Haiti ver a partida. Não era necessário entrevistar o biografado para
saber que ele não assistiu ao Jogo pela Paz (procurado, Dirceu não deu nenhuma
informação para esta resenha). Não há referências ao então chefe da Casa Civil
nas copiosas reportagens sobre Lula e sua comitiva no Haiti. Foi feito um documentário
sobre a partida, O Dia em que o Brasil Esteve Aqui, com mais de uma hora de
duração, no qual Dirceu está ausente do jogo. Poder-se-ia perguntar a Lula, a
Ricardo Teixeira, a Kakay, aos jogadores, às pessoas da comitiva, a todos que
lá estiveram, se José Dirceu compareceu. E eles diriam: não, José Dirceu não
foi ao Haiti. Em vez de trabalhar, Otávio Cabral preferiu a invencionice
delirante.”
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