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quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Jose Luís Villalonga: a propósito da famíla Espirito Santo


PARA QUEM gosta de memórias e biografias, as de José Luís de Villalonga são certamente das mais apetecíveis: "Memorias no autorizadas" assim se intitulam os 4 volumes que relatam a vida cheia do marquês de Castellvell durante os 87 anos que por aqui andou. Ele foi e fez um pouco de tudo: foi actor, escritor (mais de 24 livros publicados, entre os quais uma biografia do Rei Juan Carlos e um extraordinário "Sable del Caudillo"), jornalista, porta-voz em Paris da Junta Democrática de Espanha, mas acima de tudo o que costuma chamar-se um homem do mundo e com mundo.
No início dos anos 40, o então jovem Villalonga passou pelo Hotel Palácio, no Estoril, a caminho de Londres, onde terminaria a sua viagem de núpcias. Como ele descreve no primeiro volume das suas memórias, o hotel era então uma verdadeira "torre de Babel", dada a infinidade de refugiados que ali residiam, vindos um pouco de toda a parte. Aquilo que o jovem casal Villalonga (José Luís e Pip) esperava ser um pouco mais que uma escala de cinco ou seis dias, tornou-se numa longa espera, dada a demora do consulado britânico em conceder-lhe visto, apesar de ter casado com uma cidadã inglesa. O tempo foi passando, o dinheiro (que já era pouco) acabando e, por indicação telefónica de sua mãe, decidiu contactar um amigo da família de muitos anos - Ricardo Espírito Santo: "Telefona ao Ricardo. Vai vê-lo e conta-lhe da minha parte o que ocorre. Ele resolve a situação", disse-lhe, desde Barcelona, a então marquesa de Catellvell, certa que o amigo de anos acudiria prontamente ao filho.
A partir da página 338 do primeiro volume das suas memórias, Jose Luis Villalonga relata pormenorizadamente o que veio a ocorrer posteriormente:

"(...) Ricardo Espírito Santo, dono do banco do mesmo nome, era um amigo que meus pais frequentavam muito em Biarritz. Consegui o telefone de sua casa graças a Ramon Padilla e consegui falar com o seu secretário particular, a quem, depois de dar-me a conhecer, expliquei que necessitava urgentemente de encontrar-me com don Ricardo. Ao fim de uma hora, o secretário devolveu-me a chamada e transmitiu-me o convite para almoçar no dia seguinte às duas da tarde e casa dos Espírito Santo.
Chegámos ao palacete do banqueiro certo que vamos solucionar o nosso problema (...) Acesos os charutos, Ricardo Espírito Santo propôs-nos que passáramos ao seu escritório, onde poderíamos falar tranquilamente do nosso assunto. Posto rapidamente ao corrente do que nos preocupava e da conversa telefónica com a minha mãe, o banqueiro comentou com um sorriso despreocupado:
 - Vocês estão na mesma situação que centenas de pessoas que se sentem presas no Estoril como numa ratoeira. Mas tudo tem solução, para que é que servem os amigos? - com uma caneta de ouro escreveu umas letras numa folha de um bloco e ao estender-me, acrescentou - : Vão amanhã a este endereço e perguntem da minha parte pelo senhor Soares. ele resolverá o vosso problema.(...)
O número da casa a que  os dirigimos na manhã seguinte estava a duas portas do Monte de Piedad*, a casa de penhores onde se formava uma fila de mais de uma centena de pessoas. Quando anunciei a uma espécie de porteiro que vínhamos ver o senhor Soares da parte de don Ricardo Espírito Santo, o homem apressou-se a conduzir-nos ao gabinete que procurávamos.
O senhor Soares (...) era um um orondo anão com coroinha de bispo que cada vez que mencionávamos o nome de nosso amigo fazia questão de levantar-se do assento. Após as banalidades do costume, coloquei o anão ao corrente do nosso problema. Escutou-me pacientemente e quando acabei de falar, disse:
 - Sendo amigos do senhor Espírito Santo farei o melhor que possa para atendê-los devidamente - Acomodou-se na sua cadeira e, olhando para a minha mulher, murmurou -: Tenho uma grande curiosidade para saber o que me traz a senhora...
Pip e eu olhámo-nos sem compreender.
  - Que quer o senhor dizer, senhor Soares?
 - Pergunto minha senhora, que me traz? Ouro, platina, prata, talvez diamantes ou outras pedras preciosas? O ouro é o mais fácil de penhorar, sobretudo se está em barras. A platina tem pouca saída, porque é um metal muito duro de trabalhar. E a prata, sobretudo a nossa, não vale grande coisa. No que respeita às pedras, esqueçam as safiras, os rubis e as esmeraldas, a menos que sejam de grande qualidade. Os diamantes... Ah! os diamantes! Se a senhora me traz um bom diamante, então...
Pus-me em pé e gritei:
 - Mas quem raio é você?!
O anão levantou-se também assombrado:
 - Eu? Marcelo Soares, subdirector adjunto do Monte de Piedad de Lisboa!
Pip e eu olhámo-nos de boca aberta:
 - Como? Mas isto é o Monte de Piedad?
 - Uma de suas dependências. O senhor Ricardo Espírito Santo mandou-os aqui para que não tivessem que fazer fila frente à porta.
Pip também se pôs de pé, pálida de ira:
 - Creio - tratei de intervir - que existiu aqui um mal-entendido. Muito obrigado de todas as maneiras por nos ter atendido.
 - Então os senhores não me trazem nada? Nem sequer uma pregadeira?! - queixou-se o senhor Soares - eu estava disposto, já que os senhores são amigos do senhor Espírito Santo a pagar-lhes generosamente...
 - O senhor Espírito Santo é um grandíssimo filho da puta! - bradou a minha mulher, reluzindo a sua antiga dialética de coronel polaco - E pode repetir-lhe em francês, em espanhol ou em italiano, até porque eu não sei como se diz em português! Portanto, quando o vir, traduza-lhe da minha parte! (...)

* Montepio

3 comentários:

luis cirilo disse...

Notável história essa.
E não é dificil imaginar "Espirito Santo" mais recentes a fazerem um "número" desses. Não a um casal em lua de mel mas a um...país.
Cá se fazem cá se pagam

Vaz Tomé disse...

E lembrar quem os desenrascou - o avô Sousa Lara - com uma verba mensal de, ao que me lembro, 50 contos de reis. Naquele tempo...

Cumps.

António Vaz Tomé

Miguel Vaz Serra disse...

Amigo ZPF
Extraordinária imagem da família mais ex-rica do País mas não do mundo.Sim, se alguêm duvida que têm "lá fora" uma fortuna incalculável é como mínimo estúpido.
Mas vais-me permitir que mude de assunto que me atinge directamente.
A greve da TAP.
Tal como centenas de milhares de "clientes" da TAP,eu vou passar o Natal sozinho no estrangeiro porque não tenho volta possível e ficaria retido na Portela.Até me dá arrepios isso de ser retido na Portela.....
Ou seja,"venham, venham, mas ficam por cá até nós nos decidirmos trabalhar".Com a acumulação de passageiros de 4 dias de férias dos "escravizados",imagina o caos que não vai ser.
Sempre fui contra a privatização da TAP.Sempre pensei que se tivessem uma boa administração pública ( e sem pagar fortunas a estrangeiros como se não houvessem em Portugal gestores de confiança[será que não há?] )que a TAP dava dinheiro,e pode dar muito.
Há una meses comecei a mudar de ideia e agora tenho a certeza.A TAP tem que ser privatizada quanto antes.
Tenho amigas e amigos que trabalham em várias companhias aéreas desde Low-Cost a normais como Ibéria ou British Airways. Os contractos mudaram muito ao longo dos anos assim que existem pessoas a fazer o mesmo e com ordenados completamente dispares.O tempo das vacas gordas acabou há anos e nunca voltará e essa gente da TAP,todos sindicalizados em associações de esquerda,têm toques capitalistas.Querem ganhar fortunas,trabalhar pouco e ficar em bons Hotéis com pensão completa.Pois é.
Uma imagem lamentável para o mundo,um escândalo para os Portugueses que vivem fora e têm as famílias "presas" em Portugal e uma inqualificável fraqueza desse Governo de Passos Coelho que nem sabe como acabar com essa selvajaria dentro da TAP.
Ontem estive a fazer contas e as greves até agora,juntando esta de 27,28,29 e 30 de Dezembro dão um prejuízo de mais de 100 milhões de euros.
Pergunto a sua excelência o Primeiro Ministro dessa República dos "Nabos".
Sabe quantos grevistas pode despedir com 100 milhões de euros já perdidos e fazer novos contractos com outros contornos e sem direito a greves selvagens?Faça contas!